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A grande cavalgada*

Editor: Luiz Carlos Félix de Oliveira

Luiz Carlos Félix de Oliveira

        Certo dia caiu nas minhas mãos uma velha cópia xerográfica do livro “Haras El Cardal”, já faltando algumas folhas. Constava nesta cópia, o nome de um grande estancieiro de Uruguaiana, com uma  dedicatória de seu autor  Emilio Solanet,  Professor de

Zootecnia da Universidade de Buenos Aires, e, proprietário com seu irmão Pedro da Estância El Cardal. Trata-se de um livro histórico pelos registros iniciais da origem do cavalo Crioulo, no cone Sul da América, e como se deu sua chegada. A partir daí me interessei pelo assunto. Passei a buscar fontes na pesquisa pela internet e literatura.

        Consta que os primeiros cavalos foram trazidos para América do Sul, dos anos 1500, eram os cavalos chamados Ibéricos de origem espanhola.  Um dos principais nomes responsáveis pela introdução do cavalo no Sul do Continente espanhol Alvar Nuñez e depois, as missões jesuíticas.  Esses animais soltos na Patagônia, também chegaram ao Chile, Uruguai e Brasil.  Livres, sem controle de reprodução, formaram grandes manadas de cavalos selvagens, chamados Chimarrão. Em 1535, a expedição de Don Pedro de Mendonça, chega com 72 cavalos, dos quais 44 foram abandonados, quando da retirada da expedição em 1537. Com estes núcleos, a reprodução natural, vencendo a lei do mais forte, desenvolveram-se livres e soltos nas pradarias argentinas.

        Aquela região habitada pelos índios Mapuches, que ao longo dos anos vendo o aumento de tantos animais, chegarou a existir aproximadamente 90.000, quando iniciaram a consumi-los. Os índios Mapuchês e Tehuelche, que eram nômades no Sul da Argentina, usavam também como montaria que depois de mansos, se tornavam dóceis e ágeis, sem deixarem de apreciar sua carne.

        Os estancieiros argentinos, começaram a se preocupar com a diminuição da presença dos cavalos selvagens nas planícies e altiplanos, na Patagônia, que englobava a Argentina e Chile.

        As reduzidas manadas de raça pura que ainda restavam pertenciam aos índios Tehuelche, tribos nômades do sul da Argentina. Essa era a situação da raça crioula por volta de 1900.

Então, surge a mão de Emilio Solanet, estancieiro, veterinário, hipólogo e professor que começou o trabalho de salvar a raça crioula, cujas as características estavam desaparecendo. Ele era dono da fazenda El Cardal, com 6.600 hectares. A partir da compra de uma tropa de gado que viajara 1.600 km desde a Patagônia, notou que os cavalos montados pelos nativos estavam espertos e descansados.

        Don Emilio Solanet começou a investigar a origem desses cavalos e chegou à conclusão que estava diante da mais pura raça crioula obtida pela seleção natural. Foi a Patagônia e cavalgando entre os índios Tehuelche, revisou em torno de 1.200 animais, tendo escolhido 84 equinos basicamente reprodutores que foram comprados do Cacique e os trouxe para a estância El Cardal. Esses cavalos são os antepassados de todos os crioulos registrados hoje na Argentina e o Rio Grande do Sul foi muito tempo importador de cavalos crioulos argentinos, até a chegada dos importados chilenos, que deram novos padrões de qualidade racial ao Crioulo Gaúcho. Coube a ele ser o primeiro a descrever o tipo e padrão ao cavalo crioulo, concluindo que pelo seu caráter, ativo, dócil, nobre e inteligente seria um animal de muito valor no trabalho rural e no exército.

        Assim foi definida e aperfeiçoada a raça crioula, pelo grande zootecnista Professor Emílio Solanet, originário de família francesa, mas nascido em Buenos Aires.  Coube a ele definir o standard e padrão da raça Crioula e características de pelagem, pois para os nativos eram todos gateados.

 

             Cavalgada Buenos Aires a Nova York

 

        Em 1925, o jovem professor suíço Aimê Felix Tschifelly, visita a Estância El Cardal, com o desejo de concretizar sua grande aventura no lombo de cavalos. Procura Don Emilio Solanet, pela referência recebida da qualidade seus cavalos. Solicitou dois cavalos e lhe foi oferecido um grupo para que escolhesse suas preferências. Aimê, escolheu um gateado, chamado GATO de 15 anos e um picasso oveiro, chamado Mancha de 14 anos. Animais fortes e musculosos, que se encaixavam nos tipos desejados.

 

“Desafiando a incredulidade de todos ele partiu. Durante três anos e meio o valente professor e suas duas montarias enfrentaram de tudo o que se possa imaginar, as vezes sem ter o que comer ou água para beber. Atravessaram a Cordilheira dos Andes, transpuseram pântanos como os de Darien (uma região de florestas praticamente impenetráveis no estreito istmo que liga a América do Sul a Central), entre a Colômbia e o Panamá, considerada como uma das regiões mais úmidas do mundo. O terrível território deserto de “Mata Caballos” entre o Peru e o Equador com 160 km de areias escaldantes com temperaturas de 52 graus centígrados. O desfiladeiro de Ticlio, no Peru, a uma altitude acima de 4800m com uma variação de temperatura entre graus negativos a 40 graus positivos, num único dia.

Cabe salientar que Aimê que montou em todo o percurso um lombilho Paysandu uruguaio com pelego tipicamente gaúcho, com o qual arrumava a cama, cobrindo-se com um poncho impermeável, ao velho estilo campeiro, pois não levaram barraca, muito pesadas à época. Chegou no dia 21 de setembro de 1928, após um percurso que durou três anos, quatro meses e deis dias. No dia seguinte o jornal La Nacion noticiava a chegada de Aimê, Mancha e Gato na quinta Avenida em Nova York, onde trotaram alegremente, sendo recebidos pelo Presidente dos Estados Unidos Alvin Coolidge.

Ao concluir, Mancha estava se aproximando dos 18 anos, e Gato, dos 19 anos. Eles foram examinados pelo Cel. Da arma de Cavalaria R.M Browne, famoso hipólogo e juiz de exposições, que afirmou ser o cavalo Mancha um dos melhores cavalos de conformação já visto por ele. E o Gal. Croby, inspetor geral. O Prof. Aimê deixou expresso seu último desejo (“ser enterrado na Argentina, onde tenho meus verdadeiros amigos”), estava se referindo aos crioulos da estância El Cardal: Gato e Mancha. Seu último desejo foi atendido e suas cinzas repousam em terras Argentinas. Mais precisamente na estância El Cardal nos pagos de Aycucho, província de B. Aires. Aonde também repousam os corações de Gato e Mancha.  Gato e Mancha, foram embalsamados e estão expostos no Museu Enrique Udaondo, em Lujan, província de Buenos Aires

Esses cavalos podem ser considerados ícones da raça, não ganharam nenhuma exposição de morfologia ou função, mas realizaram uma façanha extraordinária que até hoje não foi igualada. Gato morreu em 1944, aos 35 anos, e Mancha em 1947, aos 37 anos. A eles nosso respeito e nossa homenagem. ”

  *Fontes:  Haras El Cardal de Emilio Solanet e Zootecnia I e II de Dulphe Pinheiro Machado

 

 

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